Porque fugi das redes sociais onde estava a divertir-me tanto

Como gostava de estar inspirada para vos falar de uma decisão que me foi imposta pela leitura de um texto de um economista de que não vou revelar a identidade para não despoletar preconceitos de nenhuma espécie. O texto abriu-me os olhos de uma forma brutal. Não pelo seu estilo, que o autor é, pelo contrário, uma pessoa mansa e delicada, mas pelas verdades objectivas que ali comparecem, preto no branco, mais claras do que um bom murro no estômago.

Transcrevo no fim deste artigo os excertos que considero objectivos e, consequentemente, inegáveis, sem forros nem ornamentos politicamente inviezados.

Entrei no Facebook em 2004, quando estava a colaborar com o Miguel Portas e Bloco de Esquerda aqui em Bruxelas. Na altura alguém se entusiasmou por esta nova plataforma de contactos quase directos, esta espécie de Dazibao pronto-a-utilizar, e todos saltámos alegremente a pés juntos (Miguel incluso) para este planeta desconhecido que, na altura, até para o próprio Zuckerberg era como um jogo inocente, uma cena gira só para curtir. E assim se passaram 17 anos de doce alienação.

O Facebook abriu-me muitas descobertas, especialmente artisticas e culturais, que foram muitos momentos de prazer e emoção. Trouxe-me a sensação de estar rodeada de amigos e trouxe-me de volta grandes amigos cujo contacto tinha perdido. Diria que estas são coisas que nenhum dinheiro do mundo paga mas tê-las à custa da manipulação massiva que hoje em dia o Facebook e outras plataformas do género representam, isso já é caro de mais, não quero ser parte.

Depois de ler o tal texto de que transcrevo excertos abaixo não tive outro remédio senão encarar esta realidade: eu fui um dos grãos com que grão a grão o Zuckerberg foi enchendo o papo, crescendo-lhe os olhos de ambição à medida que o Facebook se povoava de maneira viral. Neste momento, o Zuckerberg e seus amigotes transformaram-se em pequenos imperadores a jogar ao Monopólio com dinheiro a sério, movimentando cada ano somas que podiam dar uma casa e de comer ao mundo inteiro. E como os grãos que o Zuckerberg papa têm o poder de permanecer vivos e nutritivos enquanto continuarem instalados dentro deste monstruoso organismo, eu agora digo: BASTA.

Basta de engordar a conta de banco do Zuckerberg, os seus apóstolos, as suas igrejas e os seus casinos

Basta de pertencer à carneirada “Estou no Facebook, logo existo”

BASTA de contribuir para um sistema destrutivo dos laços sociais necessários à mudança do sistema!

É claro que nesta história eu vou perder muito mais do que o grão que o Zucker vai ter que regurgitar, mas tem que ser e o tem que ser tem muita força. Continuar no Facebook seria todos os dias trair os meus princípios durante uma horas, como já o fiz durante estes anos todos e isso não quero mais!

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E agora os tais excertos do tal texto do tal economista:

«A mudança de nome da casa-mãe do Facebook, Instagram e WhatsApp para Meta é mais do que um truque publicitário, é uma declaração de guerra.

Zuckerberg nunca escondeu a ambição de controlo total do mundo comunicacional e, com o Meta, anuncia que chegou a sua era. Tudo se pode resumir ao uso do tempo: passando do universo físico para o metaverso, instalar-nos-íamos num mundo digital em que deveríamos trabalhar, fazer as nossas compras e pagamentos […], assistir a concertos e a filmes, ver as séries que nos oferecem, participar em jogos, comunicar com amigos, multiplicar likes, alimentar grupos, viver as nossas relações sociais e amorosas, viajar virtualmente, dormir e sonhar.

Todo o tempo seria vivido dentro do metaverso, que substituiria a escola, a família e os amigos reais, a televisão e os jornais, até a natureza. No metaverso só viveremos connosco mesmos ou com os nossos avatares. […]

[…] Frances Haugen, uma ex-diretora da equipa sobre desinformação cívica da empresa, explicou que “acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças, intensificam a divisão e enfraquecem a nossa democracia” e que a empresa sabe do efeito intoxicante dos discursos de ódio mas recusa os mecanismos para os controlar, dado que reduzem a utilização da rede social. (nota minha, fora do contexto: como controlar os discursos de ódio sob a égide da sacrossanta liberdade de expressão??)

[…] o que importa a Zuckerberg é o tempo e a intensidade da participação no metaverso e, portanto, os discursos de ódio são só um bom negócio. […]

(aqui, o autor expõe vários factos relativos às consequências do tempo de utilização sobre as capacidades cognitivas e a efeitos perversos sobre a psicologia das crianças e adolescentes, baseados em relatórios e estudos)

[…] Em função disso, a empresa atrasou, mas não desistiu, de um novo sistema para atrair menores de 13 anos. O metaverso quer engolir toda a gente.[…]

[…] Atenção, os nossos filhos já vivem no metaverso.O efeito, escreve Desmurget, é a perda de competências cognitivas e até físicas (obesidade e redução da esperança média de vida), mudando atitudes (crença acrítica na informação do ecrã) e reduzindo capacidades (de linguagem ou de concentração).

[…] Este caminho estava anunciado. O domínio destas empresas, a Meta, a Google e a Apple, os maiores empórios do mundo, é o poder do século XXI. Um terço da população mundial já vive todos os dias no Facebook, ou no WhatsApp, ou no Instagram, no metaverso de Zuckerberg; 90% das nossas buscas seguem o Chrome, da Google, que também detém o YouTube, o segundo motor de busca mais popular, além de fornecer o Android à maioria dos smartphones.

[…] estes sistemas colonizam os nossos dados pessoais e monitorizam a nossa vida em busca do controlo total dos nossos desejos. Assim, a identidade da maior parte da população está agora ancorada no seu reconhecimento por via das plataformas das poucas empresas que constituem a oligarquia desta infraestrutura em rede.”